Acenos do Abismo
agosto 1, 2009 at 3:18 pm 4 comentários
Nietzsche antes de morrer ficou louco, assinando cartas ora como Dionísio, ora como Cristo. Não se é um avatar de Zaratustra sem pagar o devido preço. Dizem que tudo isso foi por perder a mulher que gostava pra outro cara, o que seria bem típico do século XIX. Nessa época, os europeus se matavam a torto e a direito em guerras, ou trabalhando em minas de carvão ou algo do tipo 18 horas por dia. Num ambiente desses, morrer por amor realmente devia parecer bem romântico.
Mas o nosso filósofo alemão bigodudo favorito não enlouqueceu por amor. O problema dele foi ter encarado o Abismo, e ter sido o primeiro a perceber que o Abismo olha de volta. Quando afirmou que ao combater monstros podemos nos tornar um deles, foi com conhecimento de causa. Afinal, descobrir o cadáver de Deus e anunciar ao mundo que o Criador está morto deve pirar a cabeça de qualquer um.
Mas isso tudo foi no século retrasado. Hoje estamos no século XXI, a Era da Informação, das Vidas Líquidas, etc. Estamos plugados 24 horas na rede, em meio a um fluxo de informações tão intenso que é impossível tentar absorver tudo. Os paradigmas estão mudando – o socialismo caiu como uma fruta podre, o capitalismo anda mal das pernas e eu mesmo não ando me sentido muito bem. Nossos corpos agora possuem extensões como Ipods, Iphones e qualquer outra coisa que nos insira cada vez mais no mundo virtual, ao mesmo tempo em que nos isolamos cada vez mais no chamado “mundo real”.
Porque até a realidade não é mais a mesma. Quem diz que nosso século começou com a queda das Torres Gêmeas ainda está com o pensamento nos anos 1800. O século XXI foi inaugurado oficialmente quando o filme Matrix estreou nos cinemas. Desde então, o real e o virtual se imiscuíram no inconsciente coletivo. Não tem mais jeito, véio. Pode jogar todas essas suas certezas na lata do lixo, porque a partir de agora tudo estará pra sempre mudando no mundo – quando você achar que aprendeu algo, vai descobrir logo depois que já surgiu uma versão mais atual, repaginada e remodelada que, quando finalmente você estiver dominando, já estará obsoleta outra vez.
Não é à toa que o fundamentalismo religioso cada vez mais se fortalece em todo o planeta. As pessoas necessitam de certezas para não ter que olhar para o Abismo. E agora ele não só olha de volta, como também se comunica. O Abismo acena para você, amigo. Ele acena e pergunta “Está certo disso?”.
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1. Lúcio Manfredi | outubro 29, 2009 às 5:42 pm
Takitiparil, hein, colega? Isso não é nem começar com o pé direito, é começar voando alto e com as asas em chamas! Que venham mais posts como esse…
2. rafaelluppi | outubro 29, 2009 às 11:14 pm
Valeu, Lucio! Vindo de você sei que realmente comecei bem 🙂
3. Bernardo | outubro 30, 2009 às 7:18 am
O que fazer depois da morte de deus e do crepúsculo dos demais ídolos? Amor fati? Eterno retorno?
Como diz Bauman, a única constante na pós-modernidade é a mudança constante.
Ótimo texto!
Abraços!
4. rafaelluppi | outubro 30, 2009 às 10:40 am
Valeu pelo comentário, Bernardo! Ainda tenho que ler o Bauman pra saber se concordo ou não com você! 🙂